“Temos
uma caixa de brinquedos, temos uma caixa de brinquedos”.
Garganhadas por todos os lados. Cantando sem parar, subia correndo as
escadas do prédio, enquanto ele carregava a “caixa de brinquedos”.
Claro que a síndica não ia permitir ter um Dálmata no apartamento,
mas eu estava louca pra dar nos dedos dela por reclamar tanto dos
aviõezinhos de papel higiênico que jogávamos na sacada dos
vizinhos. Tinha vontade de morder aquele nariz que sempre andava
empinado.
Chegamos
no quarto andar, pulei entusiasmada pelo novo animal de estimação
que saia meio zonzo da caixa de papelão. Era lindo, filhote, mais ou
menos uns 3 meses de vida. As pintinhas ainda surgindo no seu pelo
branquíssimo. Meus olhos brilhando. Até tinha esquecido um pouco da
neguinha.
Sentada
dentro da lareira, meu corpo pequeno ainda deixava alguma folga entre
aqueles tijolos encarvoados e frio. Eu descalça e de calção
soltinho com um pequeno sorriso maroto nos lábios, alisando os
cabelos da neguinha. Ela só tinha uma roupa que provavelmente não
era dela, mas entre tantas bonecas, ela era minha preferida. Não
lembro direito do dia que a ganhei mas repousava sobre um cestinho
trançado de cor rosa claro. Sua pele bronzeada contrastando com a
minha muito branquinha. Café com leite.
Pedi
uma lima pra empregada, esta mesmo que não cansava de correr em
círculos atrás de nós para dar uma boa lição. Claro que sempre
corríamos mais que ela, a deixando exausta desistindo do castigo.
Levei a neguinha dentro do seu cestinho até o banheiro de cima.
Aquele que tinha o box cheio de brinquedos quase até o teto. Subi a
montanha colorida e devo ter pisado no pepino se não me engano.
Sentei lá em cima comendo a lima. A neguinha se misturando com os
outros brinquedos.
Não
sei como ela se foi, nem o dia. Mas a minha companheira, a minha
neguinha, desapareceu. Aos prantos sinceros corria pra todos
perguntando se tinham alguma notícia dela. E então ela disse. A
neguinha tinha sido doada. Seria eu capaz de suportar aquela dor. A
minha neguinha nunca mais voltaria e nunca mais voltou, deixando
apenas a saudade e as lembranças de infância ao lado dela.